A extrema direita sempre trabalha no intuito de desacreditar a democracia
A arquitetura do golpe de 1964 não é coisa banal. Ela foi pensada nos clubinhos de tenentes, de soldados dos mais egoístas que nutriam o individualismo e a pura vontade de estar no poder, mesmo sem a mínima capacidade intelectual. O conchavo com os oficiais americanos teve início depois da criação da Escola Superior de Guerra, inaugurada em 1949. O que vem depois é o namoro besta de quem não enxerga o perigo do amor pelas armas, a dominação e o imperialismo.
O período de Guerra Fria, mal requentado pelo medo azul de que a América Latina se tornasse realmente de esquerda, logo depois da queda de Fulgencio Batista, fez com que os olhos do conservadorismo americano investissem duro na política de direita, se metendo na educação, políticas públicas e sociais. Esta guerra fria punha o pseudo-eixo do bem contra o eixo do mal.
Cuba era terreiro de prostituição, jogos, bebedeiras e promiscuidade dos americanos. Mas a vitória de Fidel Castro em 1959 muda de vez o cenário e as ambições políticas. De 1960 a 1970, os Estados Unidos colhem derrotas na Baía dos Porcos, com John Kennedy desmoralizado, e no Vietnã. Os golpes de Estado que se sucedem são fortes, injustos como o da Operação Condor, no Chile. Tudo era pretexto para colocar militares “marionetes” no poder.
O Brasil, assim como uma série de vizinhos do continente sul-americano, se torna a cena dos golpes de Estado impulsionados pela CIA. São juntas militares que governam, milícias do mal, marionetes do Tio Sam.
A ingerência americana no Brasil cria entidades civis como o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), faz chover ajuda financeira, se intromete nas eleições. O economista americano Albert Hirshman dedicara um capítulo inteiro em seu livro para afirmar que era impossível conhecer o Brasil sem passar pelo nordeste. Segundo ele, os movimentos sociais eram verdadeiros laboratórios de sociologia e política sobre os problemas e as transformações.
O aparato da repressão começou a perder forças pela burrice de membros do alto escalão do exército, a começar pelo general Golbery do Couto e Silva, ministro da Casa Civil, que intencionavam explodir bomba no meio da multidão de aproximadamente vinte mil pessoas que se reunia para festejar o 1° de Maio de 1981 no centro do Rio de Janeiro. O objetivo era realmente espalhar a morte, a desordem, fazer correr sangue e culpar a esquerda. Mas tudo deu errado porque a bomba explodiu antes e escancarou que o mal vinha de quem estava no poder. Os trabalhadores estavam reunidos para a festa do trabalhador e também para protestar.
Quando se deu o golpe, parecia tudo normal. Mas, alguns anos depois, com o crescimento do arrocho salarial, da falta de esperança, da mortalidade infantil, enquanto os generais e soldados riam em seus cavalos, os estudantes, grupos sindicais da cidade e do campo decidiram se manifestar. O resultado esperado foi repressão e proibição. Os conterrâneos sofriam nos porões; outros saíam para comprar cigarro e nunca mais ganhavam o caminho de volta para casa. A tortura escandalizava a violência institucional.
Luiza Erundina, enquanto prefeita de São Paulo, teve a coragem de desvendar o segredo guardado e escondido dos militares. Na vala comum do cemitério de Perus, mais de mil ossadas foram desenterradas. Eles foram assassinados no Dops e no Doi-Codi. Aí vem um ser abjeto cultuar a imagem do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra e expor na porta de seu gabinete que quem gosta de osso, numa alusão aos arqueólogos e peritos do IML, é cachorro.
A militância contra a repressão pôde contar com o apoio de uma igreja católica engajada contra as injustiças sociais; evangélico nem existia. O problema mais grave é que esses militares não foram punidos, continuaram na nova República exercendo e exibindo o sorriso de serpente. O mais remanescente defensor da ditadura e da tortura, Jair Bolsonaro, assim como generais de fachada, não conseguiram executar o plano de golpe militar. Eles apenas caíram na lábia do ex-capitão expulso do quartel por desequilíbrio mental. Bolsonaro sempre disse que
Era preciso terminar o trabalho que os militares não fizeram, isto é, fuzilar uns trinta mil. A extrema direita sempre trabalha no intuito de desacreditar a democracia, sobretudo a esquerda, para frear os avanços pela repressão, o caos, o medo, a devastação.