O pesquisador João Henrique Cervantes, especialista em Diáspora Vasca pela Universidade do País Basco e em Direito Internacional Humanitário pela PUC-Minas, analisa o enfraquecimento da presença norte-americana na América Latina e o avanço da diplomacia brasileira na região. Na entrevista exclusiva à Vila Morena, Cervantes aborda o papel do Brasil nos Brics, as ameaças de sanções econômicas impostas por Washington e os instrumentos de defesa econômica, diplomática e jurídica que o país dispõe para enfrentar esse cenário.
Vila Morena — Em que medida a perda de influência dos Estados Unidos na América Latina abre espaço para a atuação do Brasil como potência regional?
João Henrique Cervantes – A percepção de que a atenção dos Estados Unidos para a América Latina tem diminuído tem permitido que os países da região, incluindo o Brasil, exerçam um nível de autonomia sem precedentes em um século. A transição da estratégia de Washington de relações militares para instrumentos econômicos e a sua política econômica, que impunha encargos pesados e inconsistentes, incentivaram a busca por alternativas e a diversificação de parcerias. A ascensão da China na região, que se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, oferece um contraponto pragmático que fortalece a posição de negociação dos países latino-americanos. O Brasil, ao se posicionar como ator-chave no Sul Global e no Brics, aproveita esse vácuo para consolidar sua liderança e reforçar a cooperação regional.
Vila Morena — Como a participação ativa do Brasil nos BRICS pode redesenhar o equilíbrio de poder no continente?
João Henrique Cervantes – A participação ativa do Brasil no Brics fortalece sua posição de negociação e influência no cenário global e regional. O Brics, com um PIB que supera o do G7, atua como um contraponto financeiro e institucional à ordem internacional tradicional liderada pelo Ocidente. A Presidência brasileira do BRICS em 2025 é vista como uma oportunidade para promover a integração produtiva, industrial e de infraestrutura entre a América Latina e o bloco. Iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e a busca por um sistema de pagamentos alternativos ao SWIFT visam reduzir a dependência do dólar norte-americano e proteger os países-membros de sanções unilaterais, o que confere maior autonomia monetária e financeira ao Brasil e ao bloco como um todo.
Vila Morena — Quais tipos de sanções os Estados Unidos poderiam adotar contra o Brasil em caso de divergência política ou institucional, e qual seria o impacto na economia brasileira?
João Henrique Cervantes – Os Estados Unidos podem impor sanções econômicas sob a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), que autoriza o presidente a declarar uma emergência nacional e aplicar sanções sem a necessidade de aprovação do Congresso. Os tipos de sanções incluem: sanções por país (que visam regimes governamentais), sanções por lista restritiva (contra indivíduos e entidades específicas), sanções setoriais (em setores econômicos como o financeiro e o energético) e sanções secundárias (contra pessoas e entidades não norte-americanas que se envolvam em transações com os alvos das sanções primárias). No caso recente de 2025, os EUA impuseram uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, que foi classificada como uma sanção econômica de motivação política. Embora o impacto macroeconômico global sobre o Brasil seja limitado (as exportações para os EUA representam cerca de 2% do PIB), o impacto em setores específicos é severo, como no agronegócio (café, carne e suco de laranja) e na indústria (siderúrgica e de mineração), podendo causar desemprego setorial e instabilidade.
Vila Morena — O Brasil possui instrumentos de defesa (econômicos, diplomáticos ou jurídicos) para enfrentar eventuais sanções impostas por Washington?
João Henrique Cervantes – Sim, o Brasil possui instrumentos de defesa. Economicamente, o país conta com um volume robusto de reservas cambiais, que, em agosto de 2025, chegaram a US$ 350,7 bilhões, servindo como um “escudo” financeiro para mitigar choques externos. Diplomaticamente, o governo brasileiro tem buscado novos mercados, especialmente no Oriente Médio e no Sul da Ásia, para diversificar suas exportações e reduzir a dependência dos EUA. O “Plano Brasil Soberano”, lançado em agosto de 2025, busca fortalecer o setor produtivo e a diplomacia comercial em resposta às sanções. 2. Juridicamente, o Brasil pode acionar o sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar as sanções unilaterais. A postura do assessor-chefe da Presidência, Celso Amorim, de ser “contra sanções econômicas em qualquer caso”, reflete a defesa do princípio de que relações comerciais não devem ser instrumentalizadas para fins políticos.