Espaços ao ar livre consolidam-se como polos de arte, gastronomia, entretenimento e geração de renda, mesmo com desafios de infraestrutura e apoio público
As feiras culturais e alternativas, que têm o artesanato como atração principal e agregam antiguidades, brechó, gastronomia e moda de produção não industrial, são uma tendência global. Cidades ao redor do mundo abrigam feiras tradicionais que se tornaram modelos, como as de San Telmo, Recoleta e Mataderos, em Buenos Aires.
Em Campo Grande (MS), esse segmento também cresce, impulsionando a economia local e se firmando como opção de lazer, entretenimento e turismo. Ao longo dos anos, essas feiras consolidaram-se como alternativa de sustento para centenas de empreendedores informais e como espaços de convivência e promoção cultural nos bairros.
Impacto Econômico Nacional
Dados de 2020 da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Ministério da Cultura apontam que a economia criativa representava 3,11% do PIB brasileiro naquele ano, o equivalente a R$ 230,14 bilhões. Números mais recentes, divulgados pela Agência Brasil com base em levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), mostram que a indústria criativa movimentou R$ 393,3 bilhões em 2023 no país.
Realidade Local: Empreendedorismo, Superação e Desafios
Com calendário fixo na capital, a Feira Cultural Coopharádio é um exemplo de pluralidade, oferecendo arte e cultura há quatro anos e meio ininterruptos, sempre no primeiro sábado do mês, entre as ruas Caldas Aulete, Clorita e Assunção.
Segunda a organizadora Ana Claudia Pelissari, uma das principais dificuldades é obter apoio da prefeitura. “Acho que a prefeitura precisava trabalhar essa política para ajudar, porque hoje nós trazemos a feira ajudando a cidade a fomentar a economia, a cultura. A gente encontra um pouco dessa dificuldade. Retorno financeiro a gente praticamente não tem, mas é um retorno de qualidade de vida”, explica. Ela recebe algum apoio do governo estadual, mas destaca que outras feiras carecem ainda mais de incentivo.
A organização é um trabalho intenso. “Para produzir uma feira, você trabalha um mês inteiro. Às vezes, vários!”, conta Ana Claudia, que planeja os temas com base no calendário festivo. A burocracia também é um obstáculo diário, envolvendo o envio de ofícios e a cobrança de respostas dos órgãos competentes. “Como a feira não tem muitos recursos, é uma associação sem fins lucrativos, a gente não tem artistas que gostaria muito de trazer e não consegue pelos valores. Mas a gente busca sempre valorizar o pequeno, os que estão iniciando.”
Além da economia e cultura, a feira engaja-se em causas sociais, como a campanha “Caixa Encantada” em parceria com o Governo do Estado, que arrecada brinquedos para crianças carentes.
A Feira São Bento, que ocorre todo terceiro e quarto sábado do mês na Praça República do Líbano, é outro evento consolidado. Natalia Bassetto, responsável pela feira, começou em 2015 com projetos sociais e se aproximou de pequenos empreendedores, o que a motivou a criar um espaço “seguro, acessível e acolhedor”.
As dificuldades, segundo ela, são inúmeras. “Desde lidar com o clima por ser feira em local aberto, logística, autorização, estrutura, organização de vagas, orientação dos expositores, até manter o equilíbrio financeiro do evento. E o maior que é o desafio emocional.” O apoio do poder público é mínimo, restringindo-se basicamente à autorização de uso do espaço e a serviços pontuais como poda de árvores e roçada. “100% da estrutura é de responsabilidade dos expositores”, ressalta.
Natalia, que foi expositora antes de se tornar organizadora, enfatiza a curadoria como forma de manter a variedade e a qualidade. “Eu sei o quanto um expositor precisa se sentir amparado, valorizado e respeitado.”
Já a Feira Borogodó, na sua 16ª edição em dois anos e meio, é organizada por Felipe Monteiro e Jenny Benitez. Felipe relata uma ótima aceitação dos moradores do bairro, que agradecem pelo movimento e pela vida que a feira trouxe para a praça, inclusive resultando em uma melhor manutenção do local pelo poder público.
“De todos os trabalhos que já atuei, a organização de feira, por mais que tenha o resultado financeiro mais incerto, um trabalho mais árduo, é a profissão que eu mais me identifiquei”, afirma Felipe. A feira é mantida por uma mensalidade dos expositores, que cobre custos como banheiros, palco e comunicação.
A seleção de expositores na Borogodó é feita via curadoria a partir de um formulário online. São priorizados artesãos, pequenos produtores, gastronomia e agentes da economia criativa, como moda circular e produtos sustentáveis, sempre buscando um equilíbrio entre os segmentos para não saturar o mercado.
A Voz do Artesão: Terapia e Sustento
A expositora Marileida de Paula Camargo Gravena, que participa de diversas feiras há anos, vê a atividade como essencial. “Ajuda financeira é muito divertida, prazeroso! Faço amigos, encontro amigos, é tudo de bom. Não deixa de ser uma terapia.” Ela também aponta a necessidade de maior apoio do poder público: “Podia olhar mais para as feiras e nos ajudar melhor com estruturas”.
Incentivada por uma amiga e sua filha, Marileida começou vendendo artesanatos de crochê e material reciclado e hoje se dedica a licores e geleias artesanais, com frutas colhidas por ela e seu marido pela cidade.
O Cenário Nacional e a Força Feminina
Presentes por todo o Brasil, como a Feira Hippie de Ipanema e a Feira da Glória, no Rio de Janeiro, esses eventos tornam-se atrações turísticas que contribuem significativamente para a economia local e dos expositores.
Dados do Instituto Asta, uma organização sem fins lucrativos, destacam que as mulheres são a principal força motriz desse setor, representando mais de 70% do total de artesãos no país, segundo a Agência Sebrae. “O feito à mão representa um caminho econômico de desenvolvimento local sustentável”, afirma a instituição.
A Busca por Reconhecimento e Estrutura
Em setembro de 2025, a Câmara de Vereadores de Campo Grande promoveu uma audiência pública para discutir políticas para o setor, incluindo a inserção das feiras no calendário oficial de eventos culturais e turísticos da cidade.
Atualmente, os expositores enfrentam obstáculos como a exigência de um alvará para cada feira, falta de banheiros químicos, ausência de segurança pública, estrutura precária para carga e descarga e carência de apoio institucional para divulgação. É comum que os próprios feirantes tenham que improvisar soluções ou pedir permissão a comerciantes locais para usar banheiros.



1 Comentário
Parabéns pela matéria!
Muito importante destacar essa mão de obra que produz trabalhos lindíssimos.
O artesão e seu artesanato traz muito das nossas regiões.
Parabéns ao jornalista pela bela matéria.