Somente criminosos carregam a dívida de assumir algo a alguém
Desde criança, depois na adolescência, fase adulta e hoje na extrema maioridade, ouço as expressões “se assumir”, “assumido”, “assumiu”. A questão não está no fato de uma pessoa homossexual se apresentar com essa orientação. Isso é de foro íntimo e não cabe a ninguém exigir, cobrar, criticar.
O que na minha pessoa cabe como indignação é ouvir tais flexões de palavras, que na minha interpretação geram culpabilidade. Eu considero que quem assume algo revela, principalmente, um ato ilícito e, no caso da comunidade LGBTQIA+, essa palavra chega com esse peso. O peso de culpa, de responsabilizar-se por algo que, além de não ser um ato criminoso, não revela a irresponsabilidade de ninguém.
Assumir um cargo importante numa empresa é algo que ecoa de maneira positiva de orgulho. Porém, na minha leitura linguística, assumir uma orientação sexual leva a uma interpretação que ali pode ter, aos ouvidos mais conservadores, a revelação de um “crime” ou a satisfação gritante do “voyeurismo” de uma sociedade que vive farejando a sexualidade alheia para satisfazer seu prazer promíscuo, muitas vezes secreto, reprimido e autocondenável.
Eu cheguei a essa percepção ao ouvir, nos idos anos 2010, que eu já era “assumido” para mim mesmo, e não necessitava bradar a mais ninguém. Reconheci o sentido. Eu, primeiro que qualquer outra pessoa, me reconheço, me acolho e me posiciono com uma orientação que é minha e não é defeito nem crime. A partir daí, o termo “assumir”, na condição de revelar algo a alguém, passou a me incomodar.
Ao ouvir pessoas à minha volta trazendo em diálogos, frases do tipo: “sabe quem assumiu”? “Fulano finalmente assumiu!” Ou também, “eu finalmente assumi para minha família que sou homossexual”. Percebam que todas essas frases possuem sentido de culpa, de alívio. E ser o que excessivamente um indivíduo é, não cabe nenhum tipo de leitura, de explicações ou justificativos. Somos e ponto final. A ninguém cabe receber explicações, nem mesmo mãe, pai, irmã, irmão. Sou o que sou e não o que ainda insistam, desejam ou exijam que eu seja.
O que pretendo com esse texto não é condenar o vocábulo, mas, sim, sua colocação num contexto onde não há erro a ser revelado. Portanto, a toda pessoa que possui uma orientação sexual que não seja de sujeito heterossexual, trago a sugestão de eliminar o verbete “assumido”. Apenas permita que o outro faça leitura sobre sua pessoa, sua genialidade como gente e mais nada.
Antes de nos posicionarmos, devemos primeiro de tudo, não “assumir”, mas exatamente, nos reconhecer, ter autoaceitação, nos entender e, com toda segurança, nos posicionar.