Há momentos em que, por ações que marcam suas passagens na história de um povo, nomes próprios deixam de ser apenas identificações individuais e passam a representar ideias, sentimentos — ou feridas históricas. Assim, Judas virou sinônimo de traição religiosa. Brutus, de traição política. Por sua vez, no Brasil contemporâneo, o nome “Bolsonaro” começa a caminhar na mesma direção: transformando-se em substantivo comum, escrito com letra minúscula, como representação da traição à pátria, ao povo e à própria democracia.
A trajetória que leva um nome ao dicionário simbólico da deslealdade começa com promessas grandiosas. Após mais de 28 anos como parlamentar com currículo irrelevante, Jair Bolsonaro chegou à presidência montado em um discurso anticorrupção, de resgate dos símbolos e valores nacionais e conservadorismo moral. Através de um discurso recheado de meias verdades e muitas mentiras, apresentava-se como um “salvador da pátria”, disposto a acabar com os velhos vícios da política. Era, para muitos, a negação do sistema.
No entanto, o que se viu foi o contrário. A aliança com o centrão, os casos de rachadinha envolvendo a própria família, os gastos secretos com cartão corporativo, a omissão criminosa na pandemia e os ataques permanentes às instituições mostraram que as promessas foram apenas retórica eleitoral. A moralidade foi abandonada em troca da sobrevivência política. A ética virou slogan.
A pandemia expôs a face mais cruel desse processo. Em vez de liderar com responsabilidade, Bolsonaro sabotou vacinas, desestimulou o uso de máscaras, incentivou aglomerações e fez piada com a morte. Diante da crise econômica, optou por investir em armas e não em comida. A traição não foi apenas política: foi sanitária, social, humanitária.
No campo internacional, a postura foi ainda mais alarmante. Bolsonaro alinhou-se cegamente a Donald Trump, mesmo após a derrota do republicano e bateu continência para a bandeira dos EUA.
Hoje, não só apoia como também incentiva medidas do governo norte-americano que prejudicaram diretamente o Brasil — da indústria ao agronegócio. Em troca de apoio político e proteção pessoal, o ex-presidente brasileiro se colocou contra os interesses do próprio povo.
Enquanto seu filho Eduardo, o “zero três”, articula com o governo dos EUA as sanções econômicas e políticas contra o Brasil, Flávio, o filho “zero um”, tenta sabotar as tentativas de negociação de parlamentares brasileiros com os EUA para normalizar as relações entre os dois governos. Fazem chantagem a céu aberto, exigindo o fim do processo contra o pai para que as sanções sejam levantadas.
A história brasileira já conheceu outros nomes associados à traição. Domingos Fernandes Calabar, que colaborou com os invasores holandeses no século XVII, e Joaquim Silvério dos Reis, que delatou a Inconfidência Mineira, são lembrados como figuras que optaram pelo ganho próprio em detrimento do bem coletivo. Bolsonaro, cada vez mais, se encaixa nessa linhagem.
Hoje, dizer que alguém “foi um bolsonaro” já serve, em algumas rodas, como sinônimo de quem traiu o grupo que o apoiava, entregou a causa que dizia defender ou vendeu sua lealdade por conveniência. O nome virou minúsculo. E o símbolo, negativo.
Quando um nome se transforma em verbo ou adjetivo, é porque a língua já registrou o que a sociedade sente. E se a história é implacável com traidores, a linguagem é ainda mais rápida. Judas, Calabar, Silvério… bolsonaro.