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Profissionais da fé abusam de prerrogativa de líderes para atacar religiões de matriz africana

As redes sociais estão carregadas de notícias falsas (Fake News) e, ainda que transmitam fatos, também estão cheias de preconceitos. Há situações que são mesmo criminosas e merecem toda a atenção jurídica. Entre esses está a intolerância religiosa que persiste em um estado laico. 

Entre as exibições de tolerância está a repercussão da morte da cantora Preta Gil, que tinha 50 anos. A despeito da dor da família, coube a um padre, em plena missa de domingo, desrespeitar os sentimentos transmitidos pela perda da artista e exibir uma criminosa cena de intolerância. Preta foi vítima de um câncer agressivo e lutou publicamente contra a doença. 

Após a partida dela, o padre Danilo César, da cidade de Areial, na Paraíba, usou a morte para fazer deboche. O religioso profissional usou o sermão  para dizer que os “orixás” não a ressuscitariam. A crença de que as pessoas podem voltar da morte é um dogma da Igreja Católica.

Sem temer qualquer retaliação ou ação judicial, o padre utilizou a prerrogativa conferida pela profissão de sacerdote para instigar preconceitos junto à comunidade. Além de criminoso, o vídeo merece ser adjetivado como infame e nojento. O religioso por ofício usou um espaço de fé católica para instigar o ódio aos praticantes do Candomblé. 

  Em seu discurso, o pároco expressa: “Porque Deus sabe o que faz. Se for para você morrer, vai morrer, e Deus sabe que a morte é o melhor para você. Como é o nome do pai de Preta Gil? Gilberto Gil fez uma oração aos Orixás. Cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil? Já enterraram?” E acrescentou que cristãos que procuram por “forças ocultas” deveriam ser levados pelo diabo

     Sem temer a repercussão, o pároco prosseguiu e encerrou o sermão dizendo: “E tem gente católica que pede a essas forças ocultas.” Eu só queria que o diabo viesse e levasse. Quando acordar com calor no inferno, você não sabe o que vai fazer”.  

  Comportamento de intolerância e extremo desrespeito a uma religião ocorre à revelia, apesar das leis brasileiras garantirem a prática e a existência de seus templos. 

Além do padre da Paraíba, o mercadão de Madureira, na cidade do Rio de Janeiro, no mesmo período, também sofreu atos de intolerância religiosa por um grupo de cristãos que realizou uma ação evangelizadora em frente a uma loja de artigos de Candomblé e Umbanda. Em tom ofensivo, como se estivesse exorcizando o local, o grupo recebeu a resposta de populares, que não aceitaram a atitude preconceituosa e desrespeitosa.  

Para a presidente da Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras (FNAB) com sede em São Paulo–SP, Carol Módolo, que além de presidir a instituição, é mãe de santo, advogada e defensora dos direitos das comunidades afro-religiosas. 

  Para a Yalorixá, hoje a intolerância não se limita mais a um sussurro. Ela vem nos gritos, nas agressões por todos os meios. “O que vivemos hoje no Brasil não é novidade para quem carrega a fé nos Orixás, nas ancestralidades e nas tradições de matriz africana. Mas, ainda assim, é um tempo difícil. Um tempo em que a intolerância deixou de ser apenas sussurrada nos cantos e passou a ser gritada nas ruas, nas redes, nas instituições, sem vergonha, sem filtro, sem medo e sem respeito. A intolerância religiosa que enfrentamos não é só contra o sagrado, é contra a nossa identidade, contra a nossa história, contra a liberdade de ser quem somos. É o racismo travestido de discurso religioso, é o medo do que não se controla, é a tentativa de apagar o que resiste há séculos”.  

  O que causa preocupação aos praticantes de um credo que desde sempre foi alvo de repulsa, e que no momento vive uma perseguição sem controle, não causa desânimo na advogada, nem na Associação, que seguem no combate ao preconceito. “Do ponto de vista técnico, a FNAB enquanto entidade de referência nacional no combate à intolerância e na defesa jurídica dos povos de terreiro, reconhece que estamos diante de um cenário alarmante, com aumento expressivo de denúncias, escalada da violência simbólica e institucional, e a normalização do discurso de ódio. É um processo que avança quando o Estado se omite, quando setores da sociedade alimentam o preconceito, e quando a impunidade se torna regra”. 

  Para Carol Módolo, até mesmo as autoridades agem de maneira violenta contra a fé de um grupo. A agressão e a repressão, segundo ela, levam fiéis a situações de humilhação, principalmente onde os espaços de prática do culto religioso carregam muita simplicidade e humildade. “Lidamos com autoridades que, em vez de proteger, se impõem com violência simbólica e jurídica sobre pessoas simples que só querem exercer sua fé. Muitos religiosos desconhecem seus direitos e acabam se sentindo ameaçados, desrespeitados, violados por parte do próprio Estado.

  Casas são invadidas por agentes públicos sem autorização judicial, sob o pretexto de “investigar” supostas irregularidades, quando, na verdade, se trata de um culto familiar com 10, 15 pessoas na sala, na garagem ou na lavanderia de uma casa humilde. Essas pessoas são tratadas como criminosas, ou até pior, apenas por exercerem sua espiritualidade.

   E, em muitos casos, tudo isso é motivado por perseguições ideológicas, por agentes ligados a grupos políticos extremistas, que usam a intolerância como estratégia para ganhar visibilidade, seguidores e votos”

Estatísticas ratificam a perseguição e a intolerância religiosa praticada por membros de outras religiões. 

  “Os dados do Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos, e os relatórios de órgãos internacionais e nacionais confirmam isso: mais de 80% dos casos de intolerância religiosa registrados no Brasil são contra religiões de matriz africana. E isso é só a ponta do iceberg, porque a subnotificação ainda é altíssima. O racismo religioso é específico, cruel e historicamente enraizado. Nossas casas são alvos preferenciais porque carregam consigo não apenas fé, mas ancestralidade, resistência e cultura negra. Intolerar uma religião de matriz africana é também um ato de racismo”, alerta a Yalorixá, destacando que um observatório Nacional de Intolerância Religiosa está em construção e há regiões no Brasil, onde esse tipo de violência é recorrente. Alguns deles são exatamente lugares onde a presença da África na construção social e de fé é bastante presente. “Os estados do Rio de Janeiro e da Bahia concentram um número elevado de denúncias, mas isso não significa que sejam os únicos. São Paulo, Pará, Pernambuco e Minas Gerais também apresentam números preocupantes. O que vemos, na verdade, é que os ataques estão em todo o País, do sertão nordestino aos grandes centros urbanos, e muitas vezes não são registrados por medo, falta de acesso à informação ou falta de confiança no Estado. As estatísticas existem, mas são insuficientes. A FNAB, inclusive, está em fase de consolidação de um Observatório Nacional de Intolerância Religiosa, para monitorar e sistematizar esses dados de forma mais eficiente e denunciar o que o Estado não quer enxergar.”

  Segundo a Yalorixá, membros de religiões de segmento neopentecostal são um dos principais grupos que estão entre os que perseguem e cometem intolerância.  “A maior parte dos ataques parte de grupos organizados, muitos deles ligados a igrejas neopentecostais fundamentalistas, que associam nossas religiões ao mal, ao crime ou à marginalidade. Isso é gravíssimo. Não se trata de liberdade de expressão ou de fé, mas sim de uma prática criminosa, que precisa ser combatida com firmeza. É importante frisar que não se trata de um conflito entre religiões. Trata-se de uma perseguição sistemática e unilateral contra as religiões afro-brasileiras, estimulada por discursos religiosos que incitam ao ódio.  

Fé no credo e na esperança por dias de paz

  “Esperança também é ferramenta de resistência. Mas com os dois pés no chão. Esperança sozinha não resolve. O Brasil não caminha naturalmente para o respeito entre credos. O que vemos, na prática, é o contrário: cada vez mais o Estado e a política vêm sendo usados para impor uma fé única, excluindo e atacando tudo aquilo que foge do padrão hegemônico. A paz entre as religiões precisa ser construída com coragem, responsabilização dos intolerantes, políticas públicas consistentes, formação antirracista nas escolas e respeito efetivo à diversidade religiosa.

  Enquanto houver casas invadidas, tambores silenciados e mães e pais de santo tratados como criminosos, a paz seguirá sendo apenas promessa, não realidade”, diz Carol, alertando que, apesar do momento de ataques recorrentes às religiões de matriz africana, não se vê em apagamento e nem os fiéis estão temerosos de professar sua fé. A Yalorixá ressalta que, apesar de tudo, o momento é positivo porque há comediantes levando temas de Umbanda e Candomblé para teatros lotados, músicos viajando o mundo com pontos de terreiros, influenciadores, artistas e personalidades públicas que se afirmam como filhos de santo, com orgulho e sem esconder quem são.

  Vemos camisetas, tatuagens, estampas, frases, presenças. A estética do axé e a força dos nossos símbolos estão nas ruas, nos palcos, nas telas e nas redes. Os cultos que antes precisavam se esconder agora são praticados com voz e com força. O problema está do outro lado: os intolerantes seguem agindo porque ainda se sentem autorizados, encorajados e protegidos para cometer seus crimes. Não têm medo de ser punidos”, conclui.

Livro apresenta educação como o caminho para a civilidade

  Partindo do pressuposto de que a educação é o caminho de construção de uma sociedade organizada e que ela é a mantenedora da civilidade entre cidadãos e cidadãs, a editora WAK, do Rio de Janeiro, saiu na frente e lançou o livro “Intolerância Religiosa”, onde os autores, líderes de religião de matriz africana, evangélica, além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), discorrem sobre o tema, apresentando propostas pedagógicas e traduzindo para uma análise o que a lei prevê para os casos de violência contra um credo. 

“Ainda que a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) tenha angariado conquistas ao longo dos anos e que várias pesquisas já tenham sido realizadas, com o objetivo de reconhecer a importância e o protagonismo desses povos para a construção do país, a questão está na forma como esses saberes foram historicamente apagados da nossa história. No chão da escola, graça uma espécie de religiosidade que determina uma única “verdade bíblica inventada”, na cara de professores(as), diretores(as) e discentes? Esta desconexão vai além da propagação de ideias estapafúrdias (e cruéis, diga-se!). Como o “terraplanismo” e que a escravidão foi benéfica aos africanos”.

A finalidade da Educação Antirracista não é a de esmiuçar as práticas dos terreiros, aldeias indígenas ou acampamento de ciganos. A proposta está em possibilitar o protagonismo dos povos que construíram o país e elevar a autoestima de negros e negras. De fato, a Educação Antirracista prevê a humanização de povos que foram historicamente coisificados, expropriados de suas humanidades e/ou tratados como primitivos.”  Rosiane Rodrigues, jornalista, antropóloga e yalorixá, que assina um dos capítulos do livro.  

A lei dos homens em defesa da lei de um deus

  Em outro capítulo do livro citado anteriormente, assinado pela OAB, a entidade destaca que “Uma lei que trata especificamente do tema é a Lei n.º 7.716/89 (conhecida como “Lei Caó” ou Lei do Crime Racial), que pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

  O seu artigo 20 diz que constitui crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação, ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, prevendo pena de reclusão de um a três anos e multa. A lei determina uma pena maior (reclusão de dois a cinco anos e multa) se qualquer desses crimes for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza.

   O Código Penal trata de vários crimes contra o sentimento religioso ou prática da religião, caso alguém humilhe, deboche ou diminua outra pessoa em razão da religião, prevendo aumento da pena, caso haja emprego de violência. Comissão de Combate à Intolerância Religiosa – OAB-RJ.  

  A Constituição Federal brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, diz em seu Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Entre os incisos, o de número VII ressalva que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.  

     A presidente da Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras (FNAB), Carol Módolo, enfatiza ainda que: “Não estamos parados. Estamos construindo algo novo: uma nova ramificação dentro do próprio Direito, que é o direito religioso afro-brasileiro. Porque, embora a religião seja mais antiga do que qualquer tribunal, as religiões de matriz africana ainda não tinham conquistado seu espaço institucional de proteção e reconhecimento. Estamos levando luz onde antes havia apenas escuridão jurídica,”.

Ela completa:

  “Seguimos com firmeza. Nossa fé é ancestral, e nosso compromisso é com a lei. A liberdade religiosa é um direito inviolável, e a FNAB permanece vigilante, atuando com seriedade para que cada caso de intolerância encontre resposta legal e reparação. Quando acontece com um associado da FNAB, nós não deixamos passar. Atuamos com base na lei, exigimos explicações, cobramos responsabilidade, denunciamos ao Ministério Público, às corregedorias e aos órgãos competentes. Mostramos que por trás daquela pessoa simples existe uma proteção firme, séria e potente. Porque ninguém, absolutamente ninguém, está autorizado a violar o direito à fé impunemente”.  

  Como afirmava Chico Xavier: “Aquele que acredita realmente na sua religião, não tem tempo e nem necessidade de criticar a fé dos outros”.  

Foto: Arquivo pessoal

Helio Tinoco

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