“Somos uma gente que não machuca uma mosca, mas se a mosca nos perturba, é preciso matá-la e matar suas crianças que se escondem com ela”, disse Amihai Eliyahu, ministro para Assuntos de Jerusalém do Estado de Israel, referindo-se ao povo palestino, ao defender as ações das forças israelenses em Gaza e na Cisjordânia.
Desde outubro de 2023, o Exército de Israel matou mais de 13 mil crianças na Faixa de Gaza, segundo dados publicados pelo Ministério de Saúde do enclave palestino. E, de acordo com o Unicef, se somarmos aos mortos o número de feridos/mutilados, chegamos a 50.000 vítimas infantis.
Essa tragédia, denunciam as entidades em defesa dos direitos humanos, não pode ser classificada como um mero “efeito colateral” de uma guerra e sim como parte da estratégia deliberada de extermínio da população palestina e de ocupação dos territórios onde este povo vive há milênios.
“Para destruir uma nação, você deve começar matando seus filhos.”
Adolf Eichmann, principal responsável pela implementação da “Solução Final” — o plano de exterminar os judeus durante a Segunda Guerra Mundial
O discurso da direita mais radical de Israel — com o apoio manifesto das demais correntes sionistas — defende abertamente uma política de “limpeza étnica”, sob o pretexto de garantir a segurança do estado judeu. Para justificar tais ações, o governo e seus aliados acusam o Hamas e a Autoridade Palestina de promoverem “atos terroristas”, narrativa que, para diversos observadores, serve como cortina de fumaça para a escalada da violência por parte do estado judeu.
Mas, por que dar ênfase ao extermínio de crianças e da população civil, se esta seria, em tese, uma guerra travada entre o Exército de Israel e o Hamas?
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que, longe de ser um grupo terrorista, o Hamas é uma milícia de resistência — foi fundado em 1987, como um desdobramento da Irmandade Muçulmana, organização que atuava em atividades de assistência social na Palestina. Sua criação está diretamente ligada à eclosão da Primeira Intifada, um levante popular palestino contra as contínuas violações e rompimentos de acordos de coexistência pacífica por parte de Israel.
O contexto atual, no entanto, ultrapassa o enfrentamento militar direto com o Hamas. O bombardeio sistemático de áreas densamente povoadas, escolas, hospitais e abrigos, além do bloqueio total de insumos básicos como água, alimentos e medicamentos, demonstra que o alvo da ofensiva não se restringe a combatentes. A população civil — especialmente mulheres e crianças — tem sido a principal vítima da campanha militar israelense em Gaza.
Neste momento, torna-se essencial revisitar passagens históricas, em especial as da Segunda Guerra Mundial. A estratégia adotada atualmente em Gaza guarda impressionantes semelhanças com os métodos empregados pela Alemanha nazista durante a invasão da União Soviética. Só na Bielorrússia, mais de 600 aldeias foram destruídas e suas populações completamente dizimadas. Posteriormente, na implementação da chamada “Solução Final Para a Questão Judaica” (Endlösung der Judenfrage), Adolf Eichmann declarou: “Para destruir uma nação, você deve começar matando seus filhos.” A consequência dessa frase foi o assassinato de cerca de 1,5 milhão de crianças judias.
O objetivo, naquela época como agora, era a conquista territorial. Os alemães chamavam essa política expansionista de Lebensraum (“Espaço vital”); os sionistas, por sua vez, referem-se a ela como Eretz Israel (“Terra de Israel”).
Recentemente, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, apresentou um mapa que explicita a ambição territorial do movimento sionista. Segundo essa visão, “Eretz Israel” abrange um vasto território que extrapola as atuais fronteiras do Estado de Israel. Inclui a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã, partes do Líbano, da Síria e do Egito (Península do Sinai), além de algumas áreas do sudeste da Turquia.
Esse projeto expansionista, associado às práticas de extermínio em Gaza, tem alarmado a comunidade internacional, que vê na atual ofensiva israelense não apenas uma guerra contra o Hamas, mas uma tentativa sistemática de eliminação da identidade e da presença palestina em sua própria terra.
Voltando ao drama das crianças: em Gaza, pelo menos 10 crianças são submetidas a amputações todos os dias, vítimas dos bombardeios israelenses, segundo relatos divulgados pela UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina).
Além dos ataques aéreos, há denúncias de que franco-atiradores israelenses (snipers) têm deliberadamente disparado contra menores desarmados em áreas civis. Paralelamente, o exército de Israel tem sistematicamente bloqueado e destruído comboios humanitários destinados a levar alimentos e medicamentos à população sitiada — ações que agravam ainda mais o sofrimento dos civis, em especial das crianças.
E o mundo, o que diz? Os mesmos governos que todos os anos relembram a tragédia da Shoá — como os judeus chamam o Holocausto — ignoram hoje os gritos de dor do povo palestino. Assistem passivamente às barbaridades cometidas por Israel e reprimem com violência as manifestações de multidões cada vez maiores que tentam dar voz ao sofrimento das vítimas, exigem cessar-fogo imediato e a preservação do que resta do território palestino.
Embora alguns países tenham começado a impor sanções contra Israel, em resposta aos massacres, tais medidas ainda são tímidas e insuficientes. Nações como Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido — cujas vozes seriam cruciais para conter o ímpeto militar israelense — mantêm uma postura ambígua. Ao justificarem as ofensivas como um suposto direito de autodefesa, acabam se tornando cúmplices de uma tragédia humanitária.
O Brasil, por sua vez, embora tenha condenado publicamente a carnificina em Gaza, continua a exportar petróleo para Israel e a importar produtos israelenses, adotando uma política que contradiz seu discurso oficial.
Diante desse cenário de horror, a neutralidade se torna impossível. O silêncio ou a complacência diante do massacre de civis, em especial de crianças, compromete a credibilidade moral da comunidade internacional. Se a memória do Holocausto nos ensinou algo, é que a humanidade não pode permitir que crimes de tal magnitude se repitam, independentemente de quem os cometa.
Neste momento, o mundo precisa agir com urgência e firmeza para exigir cessar-fogo imediato, a proteção da população palestina e o respeito ao direito internacional.
Hoje, os que gritam por essas crianças chamam à razão aqueles que podem conter esse genocídio e que, até agora, nada fizeram além de chorar falsas lágrimas.