Nos anos 1980, tocava nas rádios uma música da qual me lembro apenas de uma frase que até fazia sentido com aquela época. Ela dizia assim: “Não se reprima, não se reprima”. Esse inocente refrão ecoou por muito tempo na minha cabeça, sendo um jovem suburbano do Rio de Janeiro. Essas palavrinhas juntas, marcando um compasso, me causavam certo incômodo. Não exatamente da melodia, da qual nem me recordo direito, porém aquela despretensiosa frase me levava a refletir sobre uma certa auto-repressão que eu e muitos da minha geração estávamos a nos impor numa atitude quase que de total obediência à sociedade.
A ciranda da vida girou, e aquele jovem se tornou jornalista, mas o “refrãozinho” volta e meia ressoava na memória e eu me pegava cantarolando “não se reprima, não se reprima”. Entre minhas várias entrevistas, em algumas delas, dependendo do profissional, eu, particularmente, aproveitava de certa discrição e consultava assuntos que me diziam respeito. Certa vez, uma renomada psicanalista, em conversa de bastidores, atendendo uma das minhas curiosidades, antes da entrevista, me explicou que a mulher entra e sai normalmente de relacionamentos homoafetivos e heterossexuais, porém os homens entram e possuem maior dificuldade para transitar seguro entre os dois lados desses diferentes desejos e algumas vezes, rompem com a heterossexualidade.
O jornalista que vos escreve, e que vivia uma fase de extrema irritabilidade e desgaste emocional, carregando uma certa “bomba” a explodir dentro de si, ficou surpreso com o que tinha acabado de ouvir e, desse dia em diante, o refrão daquela canção, que me trazia um certo incômodo, nunca mais veio em mente. Apenas agora, aos 60 e ainda mais seguro de mim, escrevo esse texto por observar à minha volta e perceber homens que nitidamente não atentam para o referido refrão.
Motivador, esse texto carrega uma espécie de bomba dentro de si, se recalca, se anula, se agride de alguma forma.
Entre as tantas leituras que tenho feito no que se refere a esse conteúdo, é notório que o emocional do homem que se recusa a viver em plenitude sua essência vai se afundando dentro de si numa espécie de “areia movediça”, de angústia, tristeza, revolta, fúria, pouquíssima alegria e forte irritação “em chafariz”.
A auto-repressão, digo eu, vem muito por se submeter a avaliações externas. Afinal, a heterossexualidade não coloca ninguém no centro de uma roda de conversas críticas depreciativas. Pelo contrário; há orgulho na sociedade patriarcal do menino que diz querer namorar a coleguinha “x”, da escolinha, do rapaz garanhão que namora todas as garotas sem mesmo respeitar os sentimentos do universo feminino.
A sexualidade imposta e aceita por determinado grupo social que se posiciona como “dominante” leva certos homens a se esconderem dentro de si. De seus desejos mais íntimos, convencido de que é tudo uma grande imoralidade, e que a homossexualidade pode levá-lo a ser alvo de hostilidade.
Então vamos juntos entender que todo tipo de repressão a um desejo acaba por provocar no sujeito problemas tanto de fundo físico quanto psíquico. As consequências que sofremos pela proibição em sermos plenos no que desejamos fazem com que a vida, aos poucos, vá se tornando pesada, angustiante e até mesmo sem sentido. Várias coisas à nossa volta perdem a graça e, em alguns casos, podem levar o homem a desenvolver ansiedade, depressão, etc.
Precisamos entender verdadeiramente que a nossa sexualidade existe não por questões imorais – como bradam os “moralistas” – mas somente para ser vivida com alegria, conforto, prazer, segurança e orgulho, respeitando sempre o nosso corpo e o corpo do outro.
Logo, a partir daquela conversa com a psicanalista, passei a ler sobre orientação sexual e dialogar com profissionais da área acerca do assunto, porém sempre de maneira muito sutil, mas que me acrescentava cada vez mais segurança de não me reprimir. Ops! Auto-reprimir e assim, “devolvi a musiquinha” aos idos anos 1980.
Abri esse texto com essa conversa com você, leitor, porque à medida que fui amadurecendo e convivendo com pessoas, das mais variadas condições, passei a perceber que alguns dos homens com os quais eu encontrei em sociedade apresentavam certa irritabilidade, um emocional meio exaurido, um ar de incômodo e às vezes até agressividade verbal, demonstrando que, igual a mim – na minha juventude – ele carrega uma “bomba a explodir”.
Esses homens, sobretudo da minha geração, e alguns adjacentes, se auto reprimiram tanto e, apesar de nunca terem ouvido a canção, não conseguiram se libertar de uma repressão que se impunha voluntariamente, temerosos pelos reflexos de qualquer atitude em nome da sua mínima liberdade. Assim, vão deixando de “viver e não ter a vergonha de ser feliz” – outra canção – mas que não vem ao caso agora.
Esse texto está amparado por observações pessoais minhas e não reflete estudo científico algum. Ele me levou a dividir com você que o lê, o reconhecimento de que a vida passa, o tempo urge e, ficar parado na estação da irritabilidade e auto-repressão de desejo nos “mata” vivo e pode ainda ferir severamente alguém ao nosso redor. Pense nisso e… “Não se reprima, não se reprima”. Vai que sua bomba acabe estourando dentro de você.