Um tema que vem sendo muito discutido nas mais variadas rodas, seja de membros da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas que radicalmente, e de maneira preconceituosa, se recusam a aceitar qualquer avanço social conquistado pela comunidade. A linguagem neutra ou de gênero é um tema que causa fúria nos ignorantes, acolhimento em quem entende e melhora da autoestima em quem necessita receber um tratamento que o reconheça como ser humano vivo!
Reforçando esse debate e ajudando a impor a existência de pessoas que se reconhecem como não-binárias, intersexo, transexuais, travestis, e por membros da comunidade LGBTQIA+, nesse início de ano letivo, a reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Márcia Barbosa, causou indignação a algumas pessoas. Ela usou nas redes sociais a linguagem neutra ou de gênero, para dar boas-vindas à comunidade acadêmica. Em um vídeo oficial da instituição para o YouTube, Vossa Excelência acolheu os estudantes com a seguinte expressão: “Sejam bem-vindos, bem-vindas e bem-vindes”! Imediatamente, a gestora foi rechaçada por internautas que a acusaram de desrespeitar a gramática.
No Rio de Janeiro, em 2020, por exemplo, o Colégio Franco-Brasileiro adotou a linguagem neutra em espaços formais e informais da instituição. A iniciativa foi tomada visando promover a diversidade e a inclusão de pessoas não binárias. Além desses outros momentos de acolhimento, durante uma saudação a um grupo de pessoas, foram utilizados pronomes neutros, dando visibilidade e inclusão às pessoas que também merecem esse respeito, porque elas existem de fato e lutam por visibilidade por direito.
O que vale lembrar aos que pouca cultura carregam, ainda que possuidores de títulos e honrarias, é que o tratamento utilizado pela reitora não fere a gramática, porque a discussão em torno de adotar a linguagem neutra vem exclusivamente numa condição de inclusão e não necessariamente numa campanha para se alterar a língua portuguesa, até porque uma palavra para entrar no nosso vocabulário leva tempo para ser reconhecida e admitida.
Para não ser muito extenso nesse espaço, e poder exemplificar o surgimento e a aceitação de um novo vocábulo na nossa língua portuguesa, é importante dizer que isso não depende da vontade ou da recusa de ninguém, nem mesmo de grupos ideológicos.
No ano de 2023, a Academia Brasileira de Letras (ABL) atualizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa com termos em uso, mas que não eram até aqui considerados oficiais, como no caso de “deletar”.
Essa expressão «deletar um arquivo de computador» deixou de ser um jargão de quem lida com informática e passou a ser aceita como uma palavra da língua portuguesa escrita no Brasil. Ele faz parte de um conjunto de cerca de 6 mil novas palavras (como feminicídio), incluídas naquele ano, numa edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), lançado pela ABL.
Pelo mundo, esse tema também gera polêmica e, na contramão da resistência, a Suécia e a Espanha são exemplos da utilização, sem preconceito, desse tipo de tratamento. A Suécia, por exemplo, criou um pronome neutro para se referir a pessoas trans e na Espanha ele é aceito na utilização do pronome elle, de maneira informal, para a inclusão por meio de um pronome neutro.
O que parece é que, nesse início de século, esse debate que também trata de preconceito e inclusão da diversidade vem tomando força à medida que pessoas com a posição semelhante à da reitora da UFRGS demarcam espaços e trazem à tona essa discussão que não pode ser calada nem mesmo ridicularizada com expressões e memes do tipo: “Neutro é shampoo e sabão!”. Portanto, neutro é, sim, uma linguagem, e ainda que não oficializada, deve ser adotada de maneira informal, uma vez que na informalidade é que reside muita possibilidade.
A crítica e o combate a uma forma de inclusão, através do acolhimento, é a maneira mais limitada e bastante rasa para resistir a um debate. Essa resistência é orquestrada com argumentos dos mais variados setores que, por capricho e preconceito extremo, acabam por manter a homofobia nociva e evidente, acirrando ainda mais o preconceito contra a população LGBTQIA+. Diante dessa constatação, todas, todos e todes devemos estar atentos e não nos calar nem recuar na adoção, por exemplo, de um pronome neutro.
É importante lembrar que toda proibição de utilização dessa forma de comunicação inclusiva não está simplesmente amparada na gravidade de erro de linguagem ou agressão à gramática e à norma culta. Ela reside e se sustenta única e exclusivamente pelo preconceito latente nas instituições que são representadas e geridas por pessoas físicas que disfarçam seu preconceito por meio de argumentos limitados que insistem na perseguição à linguagem neutra no Brasil, ainda que de maneira, a princípio, bastante informal.